terça-feira, 26 de janeiro de 2016

EI alimenta mercado negro de antiguidades

Medidas para restringir contrabando de artefatos históricos ainda são insuficientes.
Museu em Sofia, na Bulgária. Polícia relaizou operação no país e apreendeu itens contrabandeados do Iraque na época em que o Estado Islâmico controlava a região.

SHUMEN, Bulgária — Depois de receber uma denúncia, a policia invadiu quatro casas na região leste da Bulgária procurando por peças de contrabando que normalmente atravessam este país para chegar a mercados da Europa Ocidental e da América. Em um barracão enferrujado atrás de um bloco de apartamentos, encontraram um esconderijo de antiguidades roubadas: 19 estátuas clássicas e fragmentos de mármore e calcário.

Entre eles estava uma tábua quadrada com a representação de uma procissão. Se genuína, seu estilo não seria nem romano nem grego, como o resto, mas mais antigo, com cerca de cinco mil anos. Sua aparência sugere que veio da antiga cidade suméria de Lagash, que ficava no local que hoje é o sul do Iraque.

A invasão da polícia, em março, foi alardeada como um raro sucesso contra o tráfico de antiguidades, um crime que vem atingindo novos níveis à medida que o grupo militante Estado Islâmico (EI) toma o controle de partes da Síria e do Iraque e destrói e pilha sítios arqueológicos. Mas ela também deixou mais claras as barreiras que, dizem dezenas de especialistas em arte e autoridades dos Estados Unidos e da Europa, dificultam a luta contra o comércio ilícito.

As leis mundiais são fracas e inconsistentes, e as alfândegas podem escanear apenas uma parte de tudo o que cruza as fronteiras internacionais, de acordo com oficiais e especialistas em tráfico. Organizações de contrabando estabelecidas há tempos têm prática em conseguir os bens para pessoas que querem pagar por eles e são suficientemente pacientes para esconder artefatos em galpões até que o escrutínio diminua. Apesar do protesto praticamente universal contra as ações do EI, poucos países mostraram interesse em impor novas restrições para reduzir o florescente mercado de antiguidades, estimado em bilhões de dólares por ano.

— É um sistema falido em que o EI ou qualquer outro grupo, quem vier depois, pode entrar — afirma Donna Yates, arqueóloga do Centro Escocês de Pesquisa de Crime e Justiça da Universidade de Glasgow.

As autoridades ainda não sabem como os artefatos acabaram aparecendo em Shumen ou se passaram pelo território do EI. Para cada apreensão como a que aconteceu aqui, acredita-se que muitas outras peças alcancem os negociantes e compradores em Viena, Munique, Londres e Nova York. Os negociantes exploram o mercado legal de antiguidades para mover os objetos que vêm sendo pilhados há anos em meio aos conflitos na Síria, Iraque, Líbia, Iêmen e Egito, dizem oficiais e especialistas.

Poucos objetos que apareceram até agora podem ser ligados aos roubos do Estado Islâmico. Apesar de o grupo ser relativamente novato na pilhagem, tem permitido que ela aconteça em escala industrial no território que controla, taxando escavações para conseguir dinheiro para o califado declarado em 2013.

É por isso que as antiguidades encontradas aqui na Bulgária — junto com centenas de peças interceptadas na Turquia, perto da fronteira com a Síria, e pelo menos um objeto encontrado em Londres e hoje guardado por segurança pelo Museu Britânico — são vistas como parte de um onda que especialistas dizem que vai inundar os mercados europeus e norte-americano nos próximos anos.

Fotografias de satélite documentaram milhares de escavações ilegais na Síria e no Iraque, visíveis como cicatrizes entre algumas das ruínas antigas mais importantes do mundo, como Mari e Dura-Europos na Síria. Acompanhar o que foi pilhado delas, no entanto, tem se provado difícil.

— Estamos vendo a maior destruição do patrimônio cultural em larga escala desde a Segunda Guerra Mundial e teremos que fazer alguma coisa a respeito disso — afirma France Desmarais, diretor de programas e parcerias do Conselho Internacional de Museus.

Acredita-se que alguns dos colecionadores que querem comprar artefatos nos mercados negros sejam de países do Golfo Pérsico. Mas muitos outros, dizem os especialistas, estão no Ocidente.

— Parece haver uma divisão geográfica interessante: os objetos pré-islâmicos vão para a Europa e a América do Norte, enquanto a arte islâmica, para países do golfo — explica Markus Hilgert, diretor do Museu do Antigo Oriente Próximo em Berlim, que está coordenando um projeto de pesquisa sobre o mercado ilícito.

Um relatório recente feito pela Fundação pela Defesa das Democracias de Washington afirma sobre os clientes ocidentais: "Os compradores principais são, ironicamente, entusiastas de história e aficionados por arte dos Estados Unidos e da Europa – representantes das sociedades ocidentais que o EI promete destruir."

Muitos dos artefatos recentemente pilhados, dizem os especialistas em antiguidades, estão provavelmente sendo mantidos em depósitos na ou perto da Síria e do Iraque até que a atenção diminua.

— Damasco, Beirute e Amã: as primeiras paradas são sempre as mesmas — afirma Matthew Bogdanos, coronel da reserva da Marinha que liderou as buscas por objetos roubados do Museu Nacional do Iraque em 2003 e coautor de um livro sobre o esforço, "Thieves of Baghdad" (Ladrões de Bagdá). — Não subestime quão pacientes são os negociantes com conexões internacionais.

Depois que as antiguidades deixam o território do EI, os especialistas explicam que elas caem nas mãos dos contrabandistas e das redes criminosas que têm prática no tráfico de pessoas, drogas ou outros produtos da Síria e do Iraque.

— Assim que chegam a essas redes, espalham-se para vários lugares, e torna-se muito difícil achá-los — diz Brent Easter, agente especial de alfândega em Nova York que investiga contrabando de arte.

A Bulgária, que abriga um alto número de sítios arqueológicos, tem uma história notória como um canal de contrabando, dizem oficiais. Quando as antiguidades ilícitas entram na Europa, fica fácil para os contrabandistas criarem documentos listando-as como descobertas autênticas que podem ser legalmente compradas e vendidas.

— Somos a rota mais direta da Turquia e do Oriente Médio — afirma Bozhidar Dimitrov, diretor do Museu de História Natural de Sofia.

Vladimir Kaidzhiyev, inspetor de polícia de Shumen, diz que as autoridades vinham agindo a partir de informações de que uma rede de contrabando estava carregando uma remessa pela região. Em uma manhã de março, dezenas de policiais invadiram o galpão e três outros locais.

Eles confiscaram mais de nove mil itens, incluindo estatuetas, joias e moedas de dois mil anos, assim como moldes e outros materiais que sugerem que algumas das peças possam ser falsas. Entre as 19 esculturas maiores estão uma cabeça de leão, um relevo de uma górgona e um painel funerário. Muitos estavam cheios de terra, sugerindo que foram escavados recentemente e não tirados de um museu.

— Eu só vi algo igual em Roma — conta Kaidzhiyev, que tipicamente investiga crimes mais comuns.

Por enquanto, os itens permanecem guardados no museu regional de história de Shumen. O diretor do museu, Georgi Maystorksi, expressou alívio pelo fato de que pelo menos elas não caíram em mãos privadas, para nunca mais serem vistas ou estudadas.

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