quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Empresa Mossack: a serviço de ditadores e delatores

Responsável pela abertura de offshore dona de tríplex é acusada de financiar ações de terrorismo e corrupção no Oriente Médio e na África.
Policiais federais cumprem mandados de busca e apreensão na 22ª fase da Lava-Jato

CURITIBA, GUARUJÁ e SÃO PAULO — As investigações da Operação Lava-Jato chegaram ao edifício Solaris, no Guarujá, onde está o tríplex em nome da OAS que pertenceu ao ex-presidente Lula e a sua mulher, Marisa Letícia. O tríplex faz parte de uma lista de 11 apartamentos que o Ministério Público Federal suspeita terem sido usados para lavar dinheiro de contratos da Petrobras, beneficiando pessoas ligadas ao PT e ao ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, preso desde abril de 2015 e já condenado em um dos processos.


Citado pela revista “The Economist” como "líder impressionantemente discreto da indústria de finanças de fachada no mundo", o escritório de direito e finanças Mossack Fonseca teve sua representação brasileira transformada em um dos principais alvos desta nova fase da Lava-Jato. Quatro funcionários da empresa tiveram prisão temporária decretada e seus telefones grampeados. Situado no coração de São Paulo, na Avenida Paulista, o escritório era uma “fábrica de offshores’’ à disposição de empresários e agentes públicos interessados em ocultar bens no exterior, segundo o MPF. A expectativa dos investigadores é de que novos esquemas de corrupção sejam descobertos a partir de agora.

ACUSADA DE FINANCIAR AÇÕES DE TERRORISMO.

Em outros países, a Mossack Fonseca é acusada de financiar ações de terrorismo e corrupção em nome de interlocutores de ditadores como o sírio Bashar Al-Assad, o líbio Muammar Gaddafi e o presidente do Zimbabwe Robert Mugabe. No Brasil, já se sabe que a empresa abriu offshores para três réus da Lava-Jato: os ex-funcionários da Petrobras Renato Duque e Pedro Barusco, além do operador Mário Góes.

O escritório também é o responsável pela abertura da offshore Murray, oficialmente dona de um dos tríplex vizinhos ao reservado ao ex-presidente Lula, no edifício Solaris, no Guarujá, alvo de investigação nesta fase da Lava-Jato. Passaram ainda pelo escritório offshores investigadas na Operação Ararath, iniciada no Mato Grosso e que já está em sua 10ª Fase. A Murray utiliza o mesmo endereço em Nevada, nos EUA, onde estavam registradas duas offshores que apareciam como sócias da Global Participações, que teve como administrador o empresário Wesley Batista, do grupo JBS. A investigação da Ararath segue em segredo de Justiça.

O elo entre o Mossack e o prédio do Guarujá é a publicitária Nelci Warken, presa na quarta-feira. Dona de uma pequena empresa de panfletagem, ela é proprietária de pelo menos 14 imóveis transferidos à Murray, entre eles um dos tríplex do Solaris.

“Há indícios suficientes de que a Mossack pode ser utilizada na estruturação de operações por meio de offshores, visando à ocultação e à dissimulação da natureza, origem, localização, disposição e propriedade’’, escreveu o MPF.

A Mossack foi fundada no Panamá em 1977 pelo alemão Jurgen Mossack e o panamenho Ramón Fonseca. Hoje, tem escritórios afiliados em 44 países. Na quarta-feira, a Mossack não comentou a operação. Advogados dos funcionários presos disseram que colaboram com a investigação.

LULA DIZ QUE NÃO OCULTOU PATRIMÔNIO.

Para a Polícia Federal, que na quarta deflagrou a 22ª fase da Operação Lava-Jato, batizada de Triplo X, essas unidades do edifício têm “alto grau de suspeita quanto à sua real titularidade”.

— Nós investigamos fatos. Todos os apartamentos e todas as pessoas que tiveram ligação com este empreendimento são investigadas. Se houver um apartamento lá que esteja em seu nome (do ex-presidente Lula) ou que ele tenha negociado, ou alguém de sua família, vai ser investigado como todos os outros — disse o procurador da República Carlos Fernando Lima.

— Há indicativos que um tríplex pertence a ele (Lula), mas temos de avançar na investigação — disse o delegado Igor de Paula, coordenador da investigação da Lava-Jato na PF. Para o procurador, houve interesse especial da OAS para concluir os apartamentos do Solaris.

Na quarta-feira, após deflagrada a operação, Lula reproduziu nas redes sociais trecho do que disse em entrevista a blogueiros simpatizantes ao PT na semana passada: “Gosto de ser provocado”.

À noite, no Facebook, Lula disse que não foi sequer citado na decisão do juiz Sérgio Moro e repudiou tentativa de envolver seu nome em atos ilícitos investigados na Lava-Jato: “Lula nunca escondeu que sua família comprou, a prestações, uma cota da Bancoop, para ter um apartamento onde hoje é o edifício Solaris. Isso foi declarado ao Fisco e é público desde 2006. Ou seja: pagou dinheiro, não recebeu dinheiro pelo imóvel. Para ter o apartamento, de fato e de direito, seria necessário pagar a diferença entre o valor da cota e o valor do imóvel, com as modificações e acréscimos ao projeto original. A família do ex-presidente não exerceu esse direito. Portanto, Lula não ocultou patrimônio, não recebeu favores, não fez nada ilegal. E continuará lutando em defesa do Brasil, do estado de direito e da Democracia”.

Edifício já é alvo do MP de São Paulo

O edifício Solaris foi transferido da Bancoop para a OAS em 2009 e já é alvo de investigações do Ministério Público de São Paulo. Pelo menos oito das 11 unidades sob suspeita do edifício à beira mar da praia de Astúrias, no Guarujá, seguem em nome da OAS, que descarta irregularidades e diz que ainda não conseguiu vendê-los.

Um relatório da PF anexado às investigações diz que há “manobras financeiras e comerciais complexas” envolvendo a OAS, a Bancoop e pessoas vinculadas ao PT, e que os apartamentos “podem ter sido repassados a título de propina pela OAS em troca de benesses junto aos contratos da Petrobras”. A OAS já teve seus principais executivos condenados na Lava-Jato por corrupção, e a Bancoop é investigada em São Paulo por estelionato contra os cooperados, que teria sido praticado por Vaccari e pelo ex-presidente da empreiteira, Léo Pinheiro.

Além do tríplex reservado a Lula, que ficaria na unidade 164-A, de frente para a praia das Astúrias, outros dois apartamentos estão em nome de Simone Godoy (133-A), mulher do ex-assessor especial da Presidência da República no governo Lula Freud Godoy; e de Sueli Falsoni Cavalcante (43-A), funcionária da construtora. Para os investigadores da Lava-Jato, o apartamento de Sueli seria o destinado a Vaccari e já teria, inclusive, sido declarado pela mulher dele, Giselda Rose Lima. A cunhada de Vaccari, Marice Correa de Lima, apontada pelo doleiro Alberto Youssef como a pessoa que coletava dinheiro de propina para o PT em nome de Vaccari, também aparece na lista de proprietários e declarou uma unidade em seu IR de 2010.

Em depoimento prestado em outubro do ano passado, Lenir Gushiken, ex-cunhada de Luiz Gushiken, morto em 2013, disse ter ouvido que o filho de José Genoino também teria apartamento no edifício. Por meio de um amigo, Ronan Kayano Genoino informou ao GLOBO que não tem apartamento no Guarujá. Disse ainda que sequer frequenta a cidade e que nenhum membro de sua família possui imóveis lá.

Marice comprou um apartamento da OAS e o revendeu mais caro para a própria construtora. Em seguida, a OAS o vendeu por menos do que teria pago à Marice. Para os investigadores, a manobra é indício de lavagem de dinheiro. Os advogados de Marice informaram que ela está fora do país e não vai comentar.

Na lista das 11 unidades do Solaris sob suspeita está um segundo tríplex, em nome da offshore Murray Holding, sediada em Nevada, nos Estados Unidos. O negócio é obscuro. A pessoa que aparece como intermediária na transferência do apartamento para a offshore é a publicitária Nelci Warken, uma das três pessoas presas na quarta-feira. Para os investigadores, ela não tem capacidade financeira para ser proprietária de imóveis com valores que alcançam mais de R$ 5 milhões e pode ter servido como “laranja”. Dona de várias empresas, Nelci também prestou serviços para a Bancoop.

Na investigação para identificar os reais beneficiários da Murray, a Lava-Jato chegou ao escritório Mossack & Fonseca, com sede no Panamá e filial em São Paulo, responsável pela abertura de centenas de offshores usadas para lavagem de dinheiro. Entre elas, seis já foram identificadas como repassadoras de propina da Petrobras. Das seis pessoas que tiveram prisão temporária decretada pela Justiça, três estão no exterior e são vinculadas ao escritório.

Segundo a PF, foi montada uma estrutura criminosa destinada a oferecer a investigados da operação a abertura de empresas offshores e contas no exterior para ocultar dinheiro desviado em corrupção, “notadamente recursos oriundos de delitos praticados no âmbito da Petrobras”. Além de Nelci, foram presos Ricardo Onório Neto, sócio da Mossack, e Renata Pereira Brito, funcionária ligada à empresa. A PF levou coercitivamente para prestar depoimento Eliana Pinheiro de Freitas, suspeita de ser laranja no esquema, e o venezuelano Rodrigo Andres Uesta Hernandez, funcionário da Mossack.

O principal interlocutor de Nelci no escritório era Ademir Auada, que está fora do país. Sua família não quis comentar. Morador de São Bernardo do Campo, ele é acusado de destruir documentos junto com a filha, antes de uma ação da PF.

Em nota, a Bancoop disse sobre o Solaris que “por deliberação coletiva dos respectivos cooperados, adotada em assembleia realizada em 27 de outubro de 2009 e confirmada pela adesão individual de cada cooperado, o empreendimento foi transferido à construtora OAS”.

IRMÃOS TROMBETA, OS NOVOS DELATORES

A 22ª fase da Operação Lava-Jato revelou dois novos delatores: os irmãos Leandro e Roberto Trombeta. A dupla usou o escritório Mossack Fonseca para abrir oito offshores destinadas à lavagem de dinheiro. Pelo menos uma delas, a Kingsfield Consulting Corp, aberta no Panamá, foi usada para receber valores da OAS provenientes de obras no Peru e no Equador.

Aos investigadores, Roberto Trombeta confessou que subsidiárias da OAS no Peru e no Equador repassaram mais de US$ 15 milhões a ele para pagamento de propina. O esquema era feito através de contratos fictícios, nos mesmos moldes dos feitos pelo doleiro Alberto Youssef na Lava-Jato. Roberto Trombeta disse que dos montantes depositados no exterior, cerca de US$ 8 milhões foram por ordem da OAS, numa conta indicada por Youssef na Suíça.

Segundo Trombeta, a OAS Peru repassou US$ 6,15 milhões à Constructora Andreu, do Chile, por meio de contratos de serviços fictícios. A empresa chilena, por sua vez, repassou US$ 5,76 milhões para uma empresa espanhola, a DSC Workshop ObrasConstrucciones e Promociones. O dinheiro teria transitado por offshores holandesas até chegar à conta da Kingsfield aberta no Banco BPA, em Andorra, entre novembro de 2012 e fevereiro de 2013.

A OAS Equador destinou US$ 9,15 milhões a uma empresa de fachada, segundo os delatores. O dinheiro passou pela Espanha, por offshores holandesas e desembocou na mesma conta do Banco BPA, entre setembro e outubro de 2012. Roberto afirmou que, além do dinheiro que foi parar na Suíça, cerca de US$ 7 milhões permaneceram na conta do banco BPA. Ele disse, ainda, que administrava essa conta e recebia da construtora pelo serviço. O esquema de Trombeta também está sendo investigado por autoridades peruanas.

DILMA: ACUSAÇÕES SEM PROVAS
Dilma diz que acusação sem conhecimento da suspeita é incorreta

QUITO — Perguntada sobre a 22ª fase da Lava-Jato, que se aproxima do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (apesar de não citá-lo em momento algum), a presidente Dilma Rousseff afirmou que, ao contrário do mundo medieval, o ônus da prova, atualmente, é de quem acusa.

Etapa da operação realizada na quarta-feira investiga se um prédio no Guarujá (SP), no qual Lula teria um apartamento, foi usado pela OAS para lavar dinheiro.

— Acho que foi a partir da Revolução Francesa, se não me engano foi com Napoleão, que, ao contrário do mundo medieval, o ônus da prova é de quem acusa. Daí, o inquérito, toda a investigação. Antes você provava assim: eu dizia que você era culpado e você lutava comigo. Se você perdesse, você era culpado. Houve um grande avanço no mundo civilizado, a partir de todas as lutas democráticas — disse a presidente, em entrevista na quarta, ao deixar a cúpula de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

Dilma ficou irritada ao ser indagada sobre a avaliação de que a nova fase da Lava-Jato, chega perto do ex-presidente Lula.

— Se alguém falasse a respeito de qualquer um de nós aqui, que a nova fase da Lava-Jato levanta suspeita sobre você, e você não soubesse qual é a suspeita e de onde é a suspeita, você não acharia extremamente incorreto do ponto de vista do respeito? — questionou.

Perguntada ainda se a Lava-Jato afeta a economia, respondeu:

— O FMI acha.

REPERCUSSÃO EM BRASÍLIA

Em Brasília, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou de “especulações indevidas” as análises de que a fase da Lava-Jato, na quarta, mira o ex-presidente Lula.

— Até onde sei, essa investigação está sob sigilo. Apenas posso dizer de situações que são públicas. Recentemente, o juiz Sérgio Moro disse que o ex-presidente Lula não é investigado, e eu não recebi nenhuma informação de qualquer ato investigativo em relação a essa pessoa do juiz Sérgio Moro. O ex-presidente não está sendo investigado, e nem me parece que tenha sido determinada qualquer medida na investigação de hoje (quarta-feira) — afirmou Cardozo.

Integrantes do Palácio do Planalto avaliam que a nova fase da Lava-Jato é mais uma tentativa de atingir Lula, e petistas próximos ao ex-presidente a interpretam como estratégia para desgastar a imagem dele.

O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, disse que há uma “obsessão” em criminalizar Lula.

— Ele já disse que não é dele o apartamento, que ele pretendeu e depois desistiu de comprar. Eu acho só que as pessoas têm que aguardar um pouquinho as investigações antes de colocar os carimbos. (...) Isso vale pra todo mundo, para o pessoal que é do meu lado, para a oposição. Então, ele é uma figura, evidentemente, que tem uma liderança bastante sólida no país, é uma referência, um nome superconhecido, oito anos presidente. Então, virou objeto de desejo — disse Jaques Wagner.

Líderes da oposição dizem que a operação é mais um passo no fechamento do cerco a Lula.

— O objetivo é o tríplex da família. E Lula não nasceu ontem e sabe disso. Essa investigação vai produzir consequências políticas profundas. Vai colocar sob impasse definitivo a relação de Lula com Dilma — diz o senador José Agripino Maia (DEM).

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