segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Ação no STF questiona aval de Dilma a nova polícia

O senador Paulo Paim (PT-RS) posa com candidatos ao posto de policial ferroviário federal, em Brasília, em 2012.

Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no Supremo Tribunal Federal – a ADI 4708, do Ministério Público Federal – questiona se a presidente Dilma Rousseff desrespeitou ou não a Constituição ao sancionar, numa lei de 70 artigos, um parágrafo que regulamentou a Polícia Ferroviária Federal (PFF). O parágrafo em questão está na Lei 12.462, de 4 de agosto de 2011 – a chamada Lei da Copa –, que definiu o regime diferenciado de contratações públicas para a realização da Olimpíada/Paralimpíada deste ano e da Copa de 2014. 

O relator, desde novembro de 2011, é o ministro Luiz Fux.Criada pela Constituição de 1988, a PFF nunca entrou nos trilhos. Os autocandidatos a integrá-la, desde o governo Sarney, são os agentes de segurança da extinta Rede Ferroviária Federal (Rede), da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU) e da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb). Nas três, o regime trabalhista é o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Os agentes de segurança – cerca de 1.100 – são representados por uma Comissão Nacional. Seu objetivo é guindá-los a policiais ferroviários federais – funcionários públicos, portanto – sem fazer concurso público.

O parágrafo que o MPF considera inconstitucional nasceu de uma “emenda jabuti” – como são chamados os contrabandos legislativos que juntam alhos a bugalhos, proibidos pelo STF em outubro do ano passado. Tem cinco linhas: “Os profissionais da Segurança Pública Ferroviária oriundos do grupo Rede, Rede Ferroviária Federal (RFFSA), da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb) que estavam em exercício em 11 de dezembro de 1990, passam a integrar o Departamento de Polícia Ferroviária Federal do Ministério da Justiça”.

Em novembro de 2011, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a sanção da presidente da República.

Gurgel argui, principalmente, que a Constituição exige concurso público para o provimento dos cargos. Também era esta a posição da Advocacia Geral da União (AGU) – até a entrada da ADI. Depois, a AGU passou a afirmar que o parágrafo é constitucional. O Ministério da Justiça – a quem caberia a incorporação da categoria – aguarda uma decisão do STF. “Estou de mãos atadas para cumprir o que a lei determina”, disse ao Estado o ministro José Eduardo Cardozo. “Mesmo que esses cargos estivessem criados – e não estão –, existe o princípio constitucional da exigência do concurso público, que uma lei não pode mudar”, afirmou.

Parecer. Em fevereiro de 2009 – no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entusiasta da reivindicação –, a comissão nacional oficializou, na AGU, o pedido para a estruturação da PFF no Ministério da Justiça, com o aproveitamento dos agentes de segurança. Foram criados dois grupos de trabalho.

Inúmeros relatórios e reuniões depois, a Consultoria-Geral da União, subordinada à AGU, deu seu parecer. Ele foi assinado em 14 de dezembro de 2009, pela consultora Alda Freire de Carvalho: “Não há possibilidade jurídica para o aproveitamento dos requerentes na carreira de policial ferroviário federal, função eminentemente de Estado que requer prévio concurso público, nos moldes do artigo 37 da Constituição da República”.

O parecer foi avalizado pelo consultor-geral da União, Ronaldo Vieira Júnior, e, por último, pelo tanto ontem como hoje advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams. Até Lula sair da presidência o trem não andou. Mas o lobby sim.“Eles já trouxeram a solução pronta”, contou o petista João Paulo Cunha quando ainda era deputado federal por São Paulo – hoje ele está em prisão domiciliar por ter sido condenado na Ação Penal 470, mais conhecida por mensalão. “Como eu acho a causa justa, acatei e encaminhei.” Eles, no caso, é a Comissão Nacional pró-PFF.

A “solução pronta” foi uma emenda jabuti à Medida Provisória 527, que alterava a organização da Presidência da República e dos Ministérios. A presidente Dilma Rousseff a mandou para o Congresso em março de 2011. Ao tratar do Ministério da Justiça, a MP incluía, como um de seus órgãos, o Departamento de Polícia Ferroviária Federal. Transformada a MP em lei, era só aguardar que o governo abrisse concurso público para preencher as vagas do novo DPFF.

Encaixe. A emenda levada a João Paulo Cunha lotava no DPFF, em primeira viagem, os agentes de segurança celetistas das três empresas ferroviárias. Acatada e encaminhada, ela encaixou-se como um parágrafo-jabuti em uma emenda aditiva à MP 527. “Nada mais justo que efetivar primeiro os que já estavam no sistema – e depois fazer concurso público para os novos”, disse ao Estado o senador Paulo Paim (PT-RS), outro baluarte no apoio à categoria.

Paim ainda se emociona com a lembrança de uma foto de 2012 – em que confraterniza com dezenas de candidatos à PFF. “É uma luta justa”, afirmou o senador. “Ao sancionar o parágrafo, a presidente Dilma deu um grande sinal para valorizar o sucateado sistema ferroviário brasileiro.”É comum, antes de sancionar uma lei, que a Presidência da República consulte a Advocacia Geral da União. É o que foi feito com a 12.462. A AGU reiterou, então, que o parágrafo era inconstitucional.

Mesmo assim, exercendo seu soberano direito presidencial, a presidente Dilma sancionou o texto.“A AGU é um órgão consultivo, o parecer pela inconstitucionalidade é opinativo, e a presidente tem o direito de não concordar”, disse o advogado geral da União, ministro Luís Inácio Adams. “Não foi a primeira vez que ela não acatou. Em seu juízo, a presidente pondera considerações jurídicas, políticas, sociais e históricas, e toma a decisão que lhe aprouver”.

A AGU mandou para o ministro Luiz Fux, defendendo a sanção da presidente Dilma, um arrazoado diverso dos pareceres anteriores – defendendo a constitucionalidade do que já considerara inconstitucional. “A lei manda que em casos como esses a AGU defenda a Presidência”, afirmou Adams. “E eu devo admitir, neste caso, que há precedentes jurídicos semelhantes que permitem admitir a constitucionalidade”.

Citou, como exemplo, o caso dos servidores e empregados públicos afastados na época do governo Collor, afinal reintegrados. A semelhança é capenga – os pretendentes à PFF seguem em seus empregos, regularmente – mas tudo isso, agora, é o Supremo Tribunal Federal que irá decidir. Os autos da ADI 4708 estão conclusos para uma decisão do ministro Luiz Fux desde o dia 12 de agosto de 2014.

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