domingo, 5 de junho de 2016

Em ações por estupro de vulnerável, 63% não têm condenação ou punição

Três anos após ser estuprada pelo tio enquanto dormia, Y., hoje com 19 anos, viu seu abusador ser absolvido do crime. Foi uma das 791 sentenças dadas pela Justiça do Rio no ano passado em que o réu não foi responsabilizado, em meio a um total de 1.249 decisões em processos de estupro de vulnerável (quando a vítima tem menos de 14 anos ou não pode oferecer resistência, por estar inconsciente, por exemplo) em 2015. Esses julgamentos sem condenação — seis a cada dez — incluem extinção da punibilidade ou do processo, absolvição e remissão (perdão da pena para menores).

O estupro coletivo da jovem X., de 16 anos, desacordada, filmado e divulgado nas redes sociais há duas semanas levantou a polêmica. A conduta da vítima, e não do agressor, passa a ser questionada.

— Ouvi o advogado do meu tio dizendo que, como eu tinha engravidado do meu namorado cinco meses depois do estupro, eu “não parecia ter trauma de sexo” — lembra Y, que deixou o Brasil logo após o estupro.

Em 23,7% dos casos, os processos foram extintos por falta de provas. Como estupros, muitas vezes, não apresentam provas físicas (exames ou câmeras de vídeo, por exemplo), o gerente de advocacia da organização Childhood Brasil, Itamar Gonçalves, atenta para a importância de fornecer atendimento especial à vítima vulnerável na coleta de depoimento:

— Quem sabe do crime é a vítima e quem cometeu. A gente não está preparado para dar voz a criança e adolescente, que acaba ouvindo perguntas descabidas e, muitas vezes, sai da posição de vítima para a de quem cometeu o crime.

A promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Violência Doméstica contra a Mulher, Lucia Iloizio Barro Bastos, pondera:

— Se a dúvida persistir no final, o adequado é absolver. A condenação tem que vir de uma certeza.

O Tribunal de Justiça do Rio, que fez o levantamento dos dados a pedido do EXTRA, disse não comentar decisões de juízes.

Na delegacia, mais constrangimento

Antes de esbarrarem na Justiça, muitas vítimas relatam dificuldades e constrangimentos sofridos em delegacias, especializadas ou distritais. Nem sempre são atendidas por oficiais mulheres e ficam sujeitas a humilhações ou são desencorajadas a registrar os casos.

— Fui na Delegacia da Mulher, no Centro do Rio, e o delegado me pediu para contar tudo. Depois, me fez repetir várias vezes, para ver se eu não mentia. Aí vieram perguntinhas machistas: ‘Que roupa você usava perto do seu tio?’ e, depois, ‘Você já tinha se insinuado para ele?’. Não conhecia o feminismo, mas disse que era roupa normal, às vezes short curto e top. Estava errada de usar isso na minha casa? — contou Y.

A deputada estadual Martha Rocha, presidente da Comissão de Segurança Pública e Assuntos de Polícia da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), critica posturas como essa:

— É a vitimização pela segunda vez, quando a mulher tenta fazer um registro e não consegue.

O Rio teve 4.725 casos de estupro registrados em 2014, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). Mas o Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que só 35% desses crimes são levados às delegacias — com isso, quase nove mil abusos sexuais não teriam sido notificados no mesmo ano.

A Polícia Civil informou que, nos últimos anos, aumentou o número de mulheres no quadro, atualmente com 2.208 agentes femininas. A instituição esclareceu, ainda, que tem buscado “designar pelo menos uma policial para os plantões de suas delegacias” e tem priorizado em seus cursos de formação a melhora no atendimento a essas vítimas.

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