quarta-feira, 8 de junho de 2016

Jovem bilíngue vira balconista, reflete sobre preconceito e bomba na web

Beatriz Franco na loja de doces, em Santos (Foto: Arquivo Pessoal/Beatriz Franco)Beatriz Franco na loja de doces, em Santos
Jornalista aceitou trabalhar em loja após quatro meses sem trabalho.
Postagem foi curtida mais de 200 mil vezes em apenas três dias
Verônica Frenkiel, dona da loja de doces e amiga de Beatriz  (Foto: Arquivo Pessoal/Beatriz Franco)Verônica Frenkiel, dona da loja de doces e amiga de Beatriz
O depoimento de uma jovem jornalista de Santos, que virou balconista por falta de oportunidades na área que escolheu para trabalhar, viralizou nas redes sociais nos últimos dias. A jovem fez um relato sincero sobre como teve que se adaptar a falta de trabalho, como se livrou do preconceito em relação ao novo emprego e passou a enxergar o lado bom da crise, como uma oportunidade de adaptação, crescimento e evolução pessoal.

Beatriz Domingues Franco, de 28 anos, é jornalista, fluente em inglês e espanhol e sempre trabalhou na área de comunicação, com experiência em jornais impressos e assessorias de imprensa. Após perder o emprego em São Paulo, voltou para a casa dos pais em Santos e começou a trabalhar como freelancer, dar aulas de idiomas e traduzir textos.
Beatriz quando trabalhava em um jornal impresso em Santos, em 2006 (Foto: Arquivo Pessoal/Beatriz Franco)Beatriz quando trabalhava em um jornal impresso em 2006
“A partir do começo do ano, os clientes começaram a não ter mais dinheiro e passaram a não chamar mais para fazer traduções. Achei que seria um problema comigo e fui atrás pra ver com outros profissionais. Percebi que o mercado não estava mais dando certo. Se estava difícil antes, ficou pior ainda”, conta ela.

Beatriz continuou mandando currículos e procurando emprego durante quatro meses. “A gente sempre fica pensando que vai melhorar e nunca melhorava. Isso já estava me fazendo muito mal. Daí, uma amiga veio me pedir ajuda para encontrar alguma atendente para a loja de doces dela e veio a ideia de eu mesma me oferecer. Eu sei lidar com as pessoas, conheço e confio nos produtos dela, poderia ser uma alternativa. Ela gostou da ideia”, conta.

A jovem começou a trabalhar na loja de doces quatro vezes por semana e continuou dando aulas de inglês particulares. Após iniciar o trabalho como atendente, Beatriz refletiu sobre a mudança na carreira e percebeu que era preconceituosa assim como muitas pessoas que enxergavam certas funções com um ar de inferioridade. Beatriz passou a se incomodar com os próprios pensamentos, afinal, não devia ter vergonha de optar por um trabalho honesto. Por isso, fez um relato nas redes sociais sobre sua mais recente experiência e suas reflexões. (Confira o depoimento completo no fim da matéria).

No depoimento, ela conta que foi difícil tomar a decisão de virar balconista e que escreveu o texto justamente para perder a vergonha, para agradecer o apoio de amigos e familiares e para inspirar as pessoas à reflexão. A jovem também descreveu um dos primeiros episódios como atendente. Em três dias, o depoimento de Beatriz foi compartilhado por mais de 30 mil pessoas e recebeu mais de 200 mil curtidas.

“Eu sempre fiz esses textos e foi só mais um, mas meus amigos gostaram e passaram a compartilhar. Daí tomou essa proporção. Eu resolvi deixar o depoimento público. Eu acho que muita gente se identificou, justamente pelo momento que o país está passando e pela frase ‘me senti preconceituosa’. É difícil para as pessoas fazerem essa análise. Eu tenho recebido muitas mensagens agradecendo por compartilhar a minha história”, diz ela.

A jovem, que não esperava atingir um número tão grande de leitores, ainda busca oportunidades na área de comunicação e pensa em tirar do papel o projeto antigo de criar uma página na internet para escrever mais textos que ajudem as pessoas. “Todo mundo passa pelos mesmos problemas na vida e cada um lida de uma forma. Se eu puder ajudar os outros com um pouco da minha história eu estarei feliz”, fala.

Confira o depoimento de Beatriz Franco, na íntegra:

“Me descobri preconceituosa. Eu, que defendo tanto a igualdade de gêneros, de cor, de religião, que tenho amigos gays, nordestinos, evangélicos, jovens, velhos, com dinheiro e sem, até coxinhas e petralhas! Vários tipos de rótulos.

Explico: Nos últimos meses, minha área de trabalho – como muitas – está muito ruim. Em quatro meses não consegui quase nada. Então, depois de meses me enterrando num sofá perdendo tempo, vida e dinheiro, surgiu a oportunidade de ajudar uma amiga atendendo clientes em sua loja de doces. Quatro vezes por semana, período da tarde, remunerado.

Uma boa forma de ocupar a cabeça, sair de casa e ter algum dinheiro. Foi aí que veio o primeiro julgamento: Eu, balconista? Jornalista, três idiomas, currículo em comunicação, trabalhando de touquinha na cabeça servindo os outros? Foi difícil tomar essa decisão, mas aceitei, estou precisando.

Dias depois, a cena durante a tarde, limpando uma das mesas, ouvi dois clientes conversando: “Coloco acento em ‘tem’? Mudou com a nova ortografia?” “Não sei. Não entendo.” E eu ali me remoendo pra dizer “eu sei, eu sei!!!”. Mas, eu era só uma atendente e eles não iriam acreditar que eu sabia. Depois a barreira seguinte: conhecidos e colegas antigos entrarem na loja e me verem nessa função. “O que eles vão pensar? Eles não sabem como cheguei até aqui, que a dona é minha amiga, vão pensar que não dei certo na vida.”

Dá pra entender como isso é errado??? Era com essa inferioridade que eu via os outros atendentes, balconistas e nunca tinha percebido! Sentia vergonha por estar em um trabalho honesto, justo, que traz alegria para as pessoas, que auxilia os outros? Eu deveria é ter vergonha de mim por pensar assim, por tanta falta de humildade e empatia.

Por um preconceito idiota eu ia perder a chance de conhecer tanta gente nova como nas últimas três semanas, de ouvir tantas histórias de vida como sempre gostei de fazer, de aprender um novo trabalho, de ajudar uma amiga, de ter dinheiro pra comprar uma nova bicicleta, pra ir no casamento de uma amiga em outra cidade, de viver! Em tão pouco tempo, esse trabalho que eu achava tão inferior já me ajudou a estar mais feliz, disposta, a ter novas ideias, entender como uma pequena empresa funciona, a buscar cursos para aprender mais.

Como dizia meu avô: A vida não é como a gente quer, é como ela se apresenta! Então, estou aqui aceitando com muito amor e gratidão o que me foi apresentado. Aceitando novas formas de crescer e evoluir com, por enquanto, um preconceito a menos. Hoje, estou aqui, jornalista, tradutora, professora de idiomas, aprendiz de gestora e sim, atendente de um ateliê de doces. E o que mais precisar, a gente aprende a fazer também! E, modéstia à parte, eu tbm fico linda de touquinha!

Esse textão é pra tirar de uma vez essa vergonha de mim, para agradecer pela confiança e apoio dos queridos amigos Veronica, Bruno e Felipe, pelo empurrão dos meus pais Edna e Orlando e, talvez, se não for me achar muito, ajudar alguém a fazer a mesma reflexão e dar um passo à frente se for o momento”.

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