quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Helicópteros estragam a vida em Nova York, reclamam moradores

Voos turísticos levam poluição e barulho a nova-iorquinos.
Nova York é encoberta por nuvens
NOVA YORK — Nos últimos anos, Nova York injetou mais de US$ 2 bilhões em parques espetaculares na orla. Mas esse investimento e qualquer prazer que a população possa ter com as áreas verdes e os bairros da cidade estão sendo arruinados por uma invasão de helicópteros turísticos, barulhentos e poluidores.

Os píeres longos do Hudson River Park, perto de Chelsea, parecem ser um retiro convidativo, bem afastados do ruído da West Side Highway. Só que, hoje em dia, o prazer do solzinho em um dos bancos e a vista do rio estão comprometidos por uma frota que sobe e desce o Hudson. Quando o barulhão de um está começando a sumir, lá vem outro. A impressão é a de que estamos presos na área de aterrissagem de uma base militar.

A experiência não se restringe a um píer, nem a um único parque. Diariamente, os sentidos de cerca de dois milhões de pessoas são "agredidas" pela nova praga nos dois lados do rio.

Segundo cálculos da Economic Development Corp., foram mais de 56 mil voos turísticos em 2014, operando diariamente durante até dez horas por dia – e todos saindo dos heliportos no centro de Manhattan. Mais especificamente, não estamos falando dos helicópteros usados pela polícia, hospitais, empresas privadas e contratados. Em 2014, os voos não-turísticos representaram apenas 1,9 mil entre o total de 58 mil voos na ciadde. Mais que isso, os passeios respondem por 75% de todo o movimento dos três terminais públicos.

Os governantes deveriam levar em consideração o alto preço que pagamos por este tipo de turismo, além do custo para o meio ambiente e para a qualidade de vida em nossos parques e bairros. Embora o lucro seja irrisório, um relatório de 1999 sobre um dos heliportos citou uma pesquisa que concluiu que as aeronaves eram "fonte de quantidades mensuráveis de gases poluidores e elevados níveis de formaldeído e outras emissões tóxicas cancerígenas".

DOR DE CABEÇA

O pessoal que trabalha no 55 da Water St. registrou mais de 1,2 mil ocorrências de dores de cabeça, náusea e irritação respiratória causadas pelos vapores dos escapamentos que acabam entrando no sistema de ventilação do prédio.

A série Airbus AS350 — uma das mais populares operadoras de turismo — produz aproximadamente 430 quilos de emissões de CO2 por hora. Um carro médio gera dez. O comum é que haja pelo menos oito helicópteros no heliporto a qualquer hora do dia. Para quem mora e trabalha ali perto, é como conviver com 340 carros parados, com os motores ligados, perto da janela. Calculando por baixo, esses 56 mil voos geram uma pegada de carbono de mais de seis mil toneladas métricas.

O motivo por que tanta gente acaba sendo afetada é a rota dos helicópteros estabelecida pela Prefeitura. Eles levantam voo do heliporto municipal, no Distrito Financeiro, e saem rumo ao Brooklyn Bridge Park. Então dão a volta ao redor de Governors Island e a Estátua da Liberdade e seguem para o norte pelo West Side, zunindo sobre quilômetros e quilômetros de parques novos na orla. Depois, seguem para Nova Jersey, às margens do rio e fazem o caminho de volta — ou seja, passam duas vezes pelos mesmos locais.

Cada turista paga entre US$144 e US$290 por voos de 15 a 30 minutos. Com cada helicóptero levando até seis passageiros, isso significa que, em meia hora, a operadora fatura mais de US$1,5 mil.

O objetivo do investimento recente nos novos parques, de fontes públicas e privadas, é propiciar descanso e tranquilidade à beira d'água. No Brooklyn Bridge Park, há inclusive uma berma para bloquear o barulho da Via Expressa Brooklyn-Queens que margeia Brooklyn Heights – mas não há silêncio na parte extrema dos píeres dali, nem em Governors Island, nem nos parques do rio Hudson e Riverside por causa do zunido sem fim dos helicópteros.

Lower Manhattan, a área residencial que mais vem crescendo no estado nos últimos anos, está se tornando um lugar ruim para viver, reclamam alguns moradores cujos filhos não conseguem dormir.

Em uma audiência recente da Prefeitura sobre a questão, todas as pessoas que se manifestaram reclamaram da tortura que são a poluição e o barulho incessantes. Mais surpreendente foi a atitude dos membros da Economic Development Corp., que defenderam a permissão à execução destes voos, confirmando que o aluguel do heliporto às operadoras de turismo representa apenas uma renda direta de US$3 milhões/ano.

Só que essas empresas provavelmente faturam dezenas de milhões de dólares anuais, usando um ponto de decolagem/aterrissagem cuja reforma custou US$ 6 milhões à prefeitura. Colocando os 3 milhões em contexto, só as concessões de alimentação no Central Park geram algo equivalente. Será que este pequeno valor no caixa da cidade vale o sofrimento diário infligido a milhões de habitantes?

A legislação que está sendo analisada pelo Comitê Municipal de Proteção Ambiental pode ajudar e será muito bem-vinda. Há alguns dias andaram falando em um acordo para reduzir o número de voos, mas nenhum detalhe foi anunciado ainda. Proibir voos que excedam os níveis federais de ruídos ao decolar e aterrissar nos heliportos públicos da cidade, como os vereadores propõem, melhoraria instantaneamente a qualidade do ar e faria novamente de nossos parques e bairros oásis de sossego.

E se o impacto no meio ambiente e na qualidade de vida não forem motivos suficientes para exigir que algo seja feito, basta pensar nos riscos à segurança. Todo dia, centenas de turistas são recrutados nas ruas, passam por uma revista inconsistente, sem máquina de raio-X ou checagem de antecedentes, e são colocados em um helicóptero onde não há separação entre os passageiros e o piloto para voar a 300 metros sobre a área mais densamente povoada do país.

A maioria dos visitantes (mais de 58 milhões em 2015) vem a Nova York para aproveitar seus espaços públicos magníficos, visitar teatros e museus, fazer compras, jantar em restaurantes e, quem sabe, apreciar a vista do topo de um dos arranha-céus. Ninguém vai deixar de vir só porque não há mais passeios de helicópteros.

A prioridade da Prefeitura devem ser aqueles que sofrem diariamente com o barulho incessante e a poluição causada por estes veículos — e não os turistas que, de qualquer forma, também se beneficiarão com o ar mais limpo e os céus mais silenciosos.

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