terça-feira, 15 de março de 2016

Mercadante tentou barrar delação e prometeu ajuda, diz Delcídio Leia mais

Assessor do senador petista gravou conversas com o ministro da Educação.


BRASÍLIA - O senador Delcídio Amaral (PT-MS) afirmou em sua delação premiada que o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, tentou barrar a colaboração do parlamentar junto à Procuradoria Geral da República (PGR), inclusive com uma suposta ajuda financeira e com gestões junto aos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. As acusações fazem parte do termo de colaboração número cinco da delação, homologada nesta terça-feira pelo ministro do STF Teori Zavascki e tornada pública a partir dessa homologação.

O assessor mais próximo de Delcídio, Eduardo Marzagão, gravou conversas com Mercadante mantidas em duas reuniões em dezembro, depois da prisão do senador. Houve ainda uma terceira conversa, com uma assessora do ministro chamada "Cacá". Os diálogos foram fornecidos à PGR. O site da revista "Veja" publicou nesta terça-feira trechos das conversas gravadas.

"Aloizio Mercadante disse a Eduardo Marzagão para o depoente ter calma e avaliar muito bem a conduta a tomar, diante da complexidade do momento político. A mensagem de Mercadante, a bem da verdade, era no sentido do depoente não procurar o Ministério Público Federal para, assim, ser viabilizado o aprofundamento das investigações da Lava-Jato", registra o termo de colaboração número cinco. O ministro disse que em pouco tempo o assunto seria esquecido, conforme a delação.

A delação caiu como uma 'bomba' no MEC e fez Mercadante descumprir compromissos de agenda para se encontrar com a presidente Dilma.

Trecho da delação premiada de Delcídio

No termo de colaboração, senador cita o ministro da Educação Aloísio Mercadante

Ao ouvir do assessor que Delcídio e família tinham gastos excessivos com advogados, o que os obrigava a vender imóveis, Mercadante disse, conforme o senador: "A questão financeira e, especificamente, o pagamento de advogados poderia ser solucionado". Na interpretação de Delcídio, isso ocorreria "provavelmente por meio de empresa ligada ao PT". "O depoente assim conclui porque este é o modus operandi do PT. A propósito da contratação de escritórios de advocacia ao tempo do mensalão, acredita o depoente que o PT bancou a defesa dos correligionários envolvidos", cita o termo de colaboração.

O senador ressaltou que Mercadante "é um dos poucos que possui a confiança de Dilma Rousseff, tendo afirmado, inclusive, que 'se ela tiver que descer a rampa do Planalto sozinha, eu descerei ao lado dela'". Segundo a visão do delator, o ministro da Educação agiu como emissário da presidente.

O termo de colaboração registra que Mercadante disse que intercederia junto a Renan e Lewandowski "para tomarem partido favoravelmente ao depoente, no sentido de sua soltura". "Se o depoente resolvesse colaborar com o Ministério Público Federal e com o Poder Judiciário, receberia uma responsabilidade monumental por ter sido um agente de desestabilização", disse Delcídio atribuindo a fala a Mercadante. O ministro "salientava que deixava o depoente à vontade para decidir o que achasse melhor".

Delcídio disse não ter sentido "firmeza" na promessa do ministro e que a ofensiva acabou influenciando o senador a fazer a delação premiada. "Esta mesma situação aconteceu com Marcos Valério e com outras pessoas que enfrentaram problemas semelhantes". O senador afirmou que o advogado Sigmaringa Seixas, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e o ministro da AGU José Eduardo Cardozo – quando era ministro da Justiça – fizeram contatos com o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, preso em Curitiba, "para o fim de serem frustradas, por exemplo, as investigações realizadas a partir do caso Lava-Jato".

Em reuniões com Dilma, Cardozo, Sigmaringa, Mercadante e o atual ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, ainda conforme o delator, os petistas manifestavam preocupação com "impacto político" da Lava-Jato e os desdobramentos das investigações sobre o ex-presidente Lula e os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Confira os diálogos transcritos pelo site de “Veja”:

AM - O que é que tem que você acha que eu possa ajudar?

JEM - Ministro...

AM - De verdade. Tô falando assim. Eu tô aqui. Ó, eu falei: Eu não quero nem saber o que o Delcídio fez.

JEM - É.

AM - Eu quero... (inaudível) eu acho que ele devia esperar, não fazer nenhum movimento precipitado, ele já fez um movimento errado, deixar baixar a poeira, ele vai sair, a confusão é muito grande. Aí... entendeu?

JEM - Ministro, o problema é o seguinte.

AM - Pra ele não ser um agente que desestabilize tudo. Porque senão vai sobrar uma responsabilidade pra ele monumental, entendeu?

Ajuda financeira

"Veja o que eu posso ajudar"

Ciente de que a família de Delcídio pressionava o senador a fechar um acordo de delação premiada, Mercadante diz a Marzagão estar disposto a forjar uma agenda oficial, como ministro da Educação, para visitar a esposa e as duas filhas do petista. Informado de que elas enfrentavam dificuldades financeiras, não hesita em prometer uma providencial ajuda em dinheiro, para pagar os custos com os advogados, ressalta

AM - É o seguinte, eu me disponho, já te falei isso reservadamente, eu faço uma agenda no Mato Grosso do Sul, eu tenho que ir visitar uma universidade, um instituto... eu falo Maika, eu quero passar aí ...da outra vez ela fez um jantar pra mim... quando eu fui lá fazer uma agenda e ela fez um jantar na casa. Então, ó eu gostaria de passar aí, lhe dar um abraço e tal, se tiver espaço.

JEM - Só pra você ter uma ideia, eles estão vendendo a casa.

AM - Pra não ficar expostos.

JEM - Não, até pra...

AM - Arrecadar dinheiro.

JEM - Arrecadar dinheiro. Os carros, a casa. A fazenda, porque é da mãe e do irmão, então lá não vai mexer. Aliás, o irmão tá vindo aí pra tratar desses assuntos. Assuntos financeiros mesmo.

AM - Patrimônio da família.

JEM - Patrimônio, as dívidas que ele tem. Pra você ter uma ideia da situação dele, o salário dele tem consignado. O salário do Delcídio tem empréstimo consignado, que ele está pagando.

AM - Bom, isso aí também a gente pode ver no que é que a gente pode ajudar, na coisa de advogado, essa coisa. Não sei. Pô, Marzagão, você tem que dizer no que é que eu possa ajudar. Eu só to aqui pra ajudar. Veja o que que eu posso ajudar.

Ajuda política

"Vou conversar com o Renan"

Mercadante sabia que Delcídio se sentira traído pelo PT, que o censurara publicamente e, ao lavar as mãos, incentivara o plenário do Senado a referendar a sua prisão. Para adular o ex-líder do governo, o ministro esbanja solidariedade na conversa com Marzagão. Ele critica o próprio partido e avisa que negociará com o presidente do Senado, Renan Calheiros, uma moção, a ser apresentada à Justiça, destinada a garantir o relaxamento da prisão

AM - Eu conversei com vários senadores

JEM - Hã.

AM - Eu falei: vocês se acocoraram!

JEM - Foi.

AM - Ah, pô! Nós tínhamos feito um movimento com o Sarney, o Jader e o...

JEM - Renan

AM - ...o Renan e tal... Aí veio a nota do PT. Que nota do PT? Onde que o Rui Falcão agora dirige o plenário do Senado? ... é história... essa instituição tem quase 200 anos de história! Como é que vocês aceitam uma coisa como essa, gente! Porque isso vai ser um precedente.

JEM - Abriu uma porteira.

AM - Vai abrir a porteira. Então, vocês precisam repensar o encaminhamento. Talvez o Senado fazer uma moção, a mesa do Senado, ao Teori, entendeu? Um pedido: olha, nós demos autorização considerando o flagrante, considerando as condições etc, mas não há necessidade pá, pá, pá - pá, pá, pá. E tentar construir com o Supremo uma saída. Não pode aceitar isso. Eu acho que se a gente não for pelo jurídico, pelo político, pelo bom senso e deixar tudo pra ele que tá acuado, fodido, a família desestruturada, vai sair só bateção de cabeça. Porque eu posso tentar ajudar nisso aí no Senado. Vou tentar conversar com o Renan e ponderar a ele de construir uma, entendeu, uma moção...

Ajuda jurídica

"Pedido de relaxamento de prisão"

A proposta de compra do silêncio de Delcídio era ampla e irrestrita. Além de dinheiro e lobby em defesa do petista no Senado, Mercadante promete conversar com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, a fim de convencê-lo a acolher o pedido de relaxamento de prisão durante o recesso do Judiciário. A ação, se realizada, não surtiu o efeito esperado. Delcídio só foi solto em fevereiro, depois de negociar a colaboração com as autoridades.

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