quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Constituição tem brecha sobre avisar a rota de protesto, dizem especialistas.

Legislação não diz quando deverá ser dado o aviso prévio do trajeto. OAB de São Paulo defende diálogo entre manifestantes e Polícia Militar.
Jovem ferida durante ato contra aumento do transporte em SP (Foto: Glauco Araújo/G1)Jovem ferida durante ato contra aumento do transporte em SP.

Um dia depois do protesto que deixou ao menos 20 feridos e 13 detidos em São Paulo, o secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, e integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) divergiram sobre o aviso prévio da rota das manifestações. Artigo 5º, inciso XVI da Constituição Federal, diz que é exigido aviso prévio, no entanto, para especialistas ouvidos  não há limite de prazo.

O texto da lei diz "que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente."

Integrantes do MPL defendem que o trajeto é definido com os participantes do ato, pouco antes de ele começar, e que não podem definir o trajeto com a PM. No dia 12, integrantes comunicaram que iriam da Avenida Paulista até o Largo da Batata, em Pinheiros, na Zona Oeste.

"A tática orquestrada pela Polícia era obrigar a manifestação a descer pela Consolação, onde tinha sido armada um verdadeiro matadouro, com policias da tropa de choque espalhadas ao longo do percurso. Ao denunciarmos esta situação, e insistir em nosso trajeto original, o ato foi reprimido antes mesmo que ele começasse, situação que nunca ocorreu em um ato organizado pelo MPL", diz nota do movimento.

O secretário Alexandre de Moraes, no entanto, disse que o trajeto deve ser imposto todas as vezes que os manifestantes não quiserem cumprir o caminho informado com antecedência.

"Movimento que não informa o trajeto é o Passe Livre [MPL] e quando isso acontecer, obviamente, nós vamos estabelecer o traçado e fazer de tudo e preservar milhões de pessoas que não estão participando da manifestação, como foi feito ontem [ato desta terça]", afirmou

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa,afirmou que a Constituição exige “que haja comunicação para as autoridades”. “O que a comunicação não indica é quais são as autoridades e o modo como a comunicação é feita”.

O jurista Ives Gandra disse que, ao informar previamente o trajeto da manifestação, é possível que as autoridades reprogramem o trânsito e garantam a segurança dos envolvidos.

"O aviso prévio de um minuto antes não vale nada", afirmou. "Qual é a ideia do princípio constitucional? Ao dar o aviso prévio, [ele vai ] permitir que as autoridades possam reprogramar o trânsito, não prejudicar a vida de todos os cidadãos que não estão de acordo com a manifestação irem para o trabalho e voltar para casa. Então não existe brecha aí. Está claro – ele tem o objetivo de permitir às autoridades dar segurança aos manifestantes."

Para Fernando Dias Menezes, professor titular de direito administrativo da USP, o cenário de uma manifestação expõe conflitos de direitos e que são difíceis de serem solucionados. "Em linhas gerais, esse tipo de conciliação de liberdades constitucionais é sempre uma matéria complexa, não tem solução evidente. É liberdade de reunião de um lado e o direito de locomoção de outro. "
Segundo ele, em termos constitucionais, não há necessidade de pedido de autorização para a realização de uma manifestação, mas é preciso de bom senso.

"Que parâmetros a Constituição dá? Liberdade de reunião, que é a manifestação. Não precisa de autorização do poder público para ocorrer, mas precisa que seja avisada com antecedência e isso estabelece um diálogo com o poder público. O prazo não é estipulado na Constituição, é uma brecha na legislação, mas é razoável que tenha um prazo."

O professor afirmou ainda que se os manifestantes não avisam com muita antecedência, "eles estão abrindo mão de uma garantia que eles teriam que é justamente a interlocução com o poder público, pois a polícia vai estar lá para garantir a manifestação e não para impedir a manifestação. Aviso prévio serve para garantir que os manifestantes entrem em entendimento com os poderes públicos."

Menezes disse que para estabelecer uma conciliação dessas liberdades é que entra o poder de polícia. "Mas não quer dizer que seja a Polícia Militar, mas de agentes públicos que não necessariamente tenham caráter policial, é o poder que a administração pública tem de conciliação, não dá para ter isso em abstrato. Problema concreto é que a manifestação quer ocupar uma via, como fica as pessoas que querem voltar para casa, ir a um hospital? É normal que a polícia tenha de agir."

Para Martim de Almeida Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, não há nada que determine o limite que deve ser dado aviso prévio.

“É uma situação complicada. A Constituição Federal, em seu artigo 5º e inciso XVI não diz o tempo prévio, como deve ser feito, se por escrito, verbalmente a comunicação da manifestação e seu trajeto. Na letra seca da Lei é assim. Ocorre que o constituinte, em 1988, entendeu que havia um sistema libertário no país e não considerou necessário isso”, disse ele.

Sampaio diz que o país está passando por uma “onda conservadora” e que isso difere do contexto em que a Constituição Federal foi redigida. “Estamos vivendo um estado policial penal onde a solução é a polícia ou a cadeia. Se ocupa escola, chama polícia. Se faz manifestação, chama a polícia.

Ele criticou o posicionamento de Alexandre de Moraes que disse que vai repetir a ação policial caso não seja informado às autoridades o trajeto da manifestação.

“O secretário não pode criar uma obrigação com a ação da polícia. Se quiser mudar a Constituição, entre com um Projeto de Lei que regulamente o que está lá.”

Para ele, o diálogo é essencial para as próximas manifestações. “É claro que tem de haver diálogo. A única manifestação que o governo permite é a da classe média e branca paulista. A força policial usada nas manifestações dos últimos dias foi excessiva e desproporcional num estado democrático de direito.”

Martim disse que as autoridades precisam avaliar o que incomoda mais na vida do paulistano. “A manifestação incomoda, incomoda quem está no carro, no trânsito, saindo do trabalho, indo para casa. Mas o valor de R$ 3,80 na passagem de ônibus também incomoda o pobre da periferia que sofre com essa crise econômica que passa o país.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente aqui