quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Ministério Público investiga destino de doações para Mariana.

Moradores ainda não receberam o R$ 1 milhão arrecadado pela prefeitura.
Ruínas de casa atingida pela enxurrada de lama que atingiu o distrito de Bento Rodrigues: PF informou que investigações continuam e podem ocorrer novos indiciamentos.

O Ministério Público de Minas Gerais abriu inquérito civil na quarta-feira para investigar a destinação dada pela prefeitura de Mariana às doações arrecadadas para vítimas da tragédia que destruiu o distrito de Bento Rodrigues. A prefeitura será notificada nesta quinta e terá cinco dias para responder as perguntas do MP sobre o valor arrecadado e os critérios de repasse. Pouco mais de dois meses depois do desastre, ocorrido em 5 de novembro, os moradores ainda não tiveram acesso ao dinheiro arrecadado.

Também na quarta, a Polícia Federal informou que indiciou a Samarco, a Vale, a empresa Vogbr e mais sete executivos e técnicos por crimes ambientais decorrentes da tragédia, ocorrida em 5 de novembro. Entre eles, está o diretor-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi. Em nota, a PF informou que as investigações continuam e podem ocorrer novos indiciamentos.

O desastre em Mariana, o maior da História em volume de material despejado por barragens de rejeitos de mineração, deixou 17 mortos e dois desaparecidos. A PF esclareceu que tem a atribuição de investigar crimes ambientais, uma vez que a lama atingiu o leito do Rio Doce, um bem da União que corta Minas Gerais e Espírito Santo. Já a investigação sobre as mortes de moradores do distrito de Bento Rodrigues e de funcionários da Samarco e de empresas contratadas está a cargo da Polícia Civil de Minas. O delegado Rodrigo Bustamante informou na quarta-feira que está na fase de verificação de laudos.

DOAÇÕES PARA AS FAMÍLIAS


Em reunião na última segunda-feira, um grupo formado por representantes da prefeitura e da sociedade civil decidiu que os R$ 1.025.241,41 recebidos até então na conta bancária gerida pela administração municipal terão de ser repassados aos chefes das famílias afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco.

— Desde a semana passada, fui procurado por cerca de 15 moradores com dúvidas sobre essas doações. Diante da insatisfação deles, abri o inquérito. Temos de ver se não está havendo desvio desses recursos, que são volumosos, e de que maneira as pessoas afetadas estão sendo consultadas sobre a destinação dos valores — afirmou o promotor Guilherme Meneghin.

O promotor disse ainda não ter sido comunicado sobre decisões tomadas na reunião realizada no início desta semana para tratar da administração dos recursos. De acordo com a prefeitura de Mariana, o encontro reuniu membros do Conselho Municipal de Gestão de Recursos Financeiros, criado por decreto municipal, em 18 de novembro, para gerir o dinheiro.

O órgão tem sete integrantes, entre eles representantes dos moradores de Bento Rodrigues e de Paracatu, outra localidade afetada. Além do Executivo municipal, Arquidiocese de Mariana, Associação Comercial, Industrial e Agropecuária do município, Ordem dos Advogados do Brasil e Instituto Federal de Minas Gerais estão no conselho.

Segundo a prefeitura, o conselho decidiu que um cadastro dos moradores feito por assistentes sociais da prefeitura e usado pela Samarco para pagar indenizações já em curso será usado também para os repasses do dinheiro arrecadado. A data das transferências, no entanto, será decidida apenas depois da próxima reunião, prevista para 15 de fevereiro.

Já o dinheiro que for doado a partir da reunião de anteontem será destinado a contas de poupança de cerca de 170 crianças menores de 12 anos de áreas atingidas. O mesmo destino terá o valor que for arrecadado em leilão de peças doadas ao município, como uma camisa e um agasalho assinados por Zico.

A prefeitura informou na quarta-feira que está disposta a quebrar o sigilo da conta bancária que recebeu as doações, caso seja necessário para a investigação do MP.

MORADORES CRITICAM DEMORA:

Presidente da Associação de Moradores de Bento Rodrigues e membro do conselho, José do Nascimento de Jesus afirmou que o grupo deseja que o processo seja ágil:

— A nossa situação tem melhorado, já saímos dos hotéis e estamos recebendo as indenizações da Samarco. Mesmo assim, estamos providenciando para que o repasse das doações ocorra o mais rapidamente possível. Esse dinheiro não pode ficar em conta. Cada um tem de receber o que é seu por direito.

Já Sidnei Sobreira, que vivia com a mulher e duas filhas em Bento Rodrigues, queixou-se de falta de transparência.

— Esse dinheiro não é para ficar com a prefeitura, mas sim com os desabrigados. Além disso, há decisões sendo tomadas sem o consentimento de todos. Muitas pessoas são contra a ideia de abrir contas de poupança para crianças. Eu mesmo acredito que a tarefa de decidir o que é melhor para elas é dos pais. Essas escolhas deveriam ser abertas a todos — criticou ele.

Moradores do distrito de Bento Rodrigues têm se queixado, também, de não terem sido favorecidos com verbas arrecadadas em shows beneficentes. Dois shows promovidos em Belo Horizonte e São Paulo foram realizados pela iniciativa #SouMinasGerais, de Oloko Records e Criolo; Uns Produções e Caetano Veloso; Helber Oliveira e Jota Quest; e da produtora mineira Macaco Prego Arte e Cultura.

A página da ação na internet informa que a renda arrecadada está sendo destinada a pesquisa independente sobre os impactos do desastre em Mariana, e que o estudo é coordenado pelo Greenpeace, com foco será no meio ambiente e na vida das comunidades ribeirinhas.

Procurado, o Greenpeace informou que, embora não seja responsável pela produção do evento, foi informado de que, no show de São Paulo, o valor levantado foi de R$ 200 mil e, no show de Minas Gerais, de R$ 650 mil. Contudo, do total de R$ 850 mil serão abatidos os custos da realização do espetáculo. A diferença será repassada para o Grupo Independente para Análise do Impacto Ambiental, um coletivo de cientistas que está conduzindo as pesquisas.

Na quarta, a mineradora Samarco informou que entregou, com um dia de atraso, o estudo de cenários em caso de ruptura das barragens de rejeitos de minério Germano e Santarém, vizinhas de Fundão, em Mariana. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) confirmou a apresentação do documento, chamado de “dam break”. Pelo atraso, a Samarco será multada em R$ 1 milhão.

O Ministério Público vai analisar estudo e verificar se a mineradora cumpriu o que foi pedido. De acordo com a mineradora, o relatório foi elaborado por uma consultoria e revisado por seus próprios técnicos.

SAMARCO E VALE INDICIADAS

A Polícia Federal indiciou a Samarco, a Vale, a empresa Vogbr e mais sete executivos e técnicos por crimes ambientais decorridos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em novembro de 2015. Entre os indiciados, está o diretor-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, além da gerente de Geotecnia, o gerente-geral de Projetos e responsável técnico pela barragem de Fundão, o gerente-geral de Operações, o diretor de Operações, o coordenador de monitoramento das barragens e o engenheiro da Vogbr responsável pela Declaração de Estabilidade da barragem de Fundão em 2015. A Vogbr atestou a estabilidade das barragens de Germano, Fundão e Santarém. A PF não informou os nomes dos indiciados.

O inquérito vai agora para o Ministério Público Federal, que avaliará se oferece denúncia à Justiça. Tanto as empresas quanto os executivos e técnicos foram indiciados por “tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana”, “causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade”, e “dificultar ou impedir o uso público de praias”. A pena para esses crimes varia de um a cinco anos.

Por “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”, a pena é de um a quatro anos, acrescida de multa. Os crimes estão previstos no artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais. Após a tragédia, a Samarco fez um acordo com o Ministério Público mineiro de pagamento de R$ 1 bilhão para reparar danos da tragédia.

A lama da barragem de Fundão percorreu o Rio Doce e chegou ao mar do Espírito Santo 17 dias depois do rompimento. Pelo caminho, provocou a suspensão do abastecimento de água em cidades de Minas e do Espírito Santo.

Laudos da Vogbr obtidos pelo GLOBO atestaram a repetição por três anos de problemas na Barragem do Fundão, como canaletas trincadas, falhas em canos de escoamento interno de água e no sistema de drenagem superficial, que visavam evitar a liquefação da estrutura da barragem. Os problemas podem ter contribuído para o rompimento.

Responsável pela produção dos relatórios de estabilidade do Fundão, a Vogbr também projetava a expansão futura da barragem. A dupla atuação da empresa é investigada por PF e MPF.

Em nota, a Samarco protestou: “A Samarco informa que não concorda com o indiciamento de seus profissionais porque até o presente momento não há uma conclusão pericial técnica das causas do acidente”, diz o texto. Já a Vale disse que “recebeu com surpresa a notícia”: “O indiciamento reflete um entendimento pessoal do delegado e ocorre em um momento em que as reais causas do acidente ainda não foram tecnicamente atestadas e são, portanto, desconhecidas. Além disso, as suposições da Polícia Federal sobre uma teórica responsabilidade da Vale baseiam-se em premissas que não têm efetivo nexo de causalidade com o acidente, conforme será oportuna e tecnicamente demonstrado pela Vale”. A Vogbr não comentou o indiciamento.

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