segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Alemanha investiga abusos em coro do irmão de Bento XVI

Georg Ratzinger comandou grupo por 30 anos na catedral de Ratisbona.
Escândalo. A Catedral de São Pedro, em Ratisbona, na Alemanha: coro sob investigação de abusos físicos e sexuais

RATISBONA, Alemanha - Udo Kaiser tinha 8 anos quando chegou ao colégio interno do famoso coro de meninos desta cidade. Antes do fim do primeiro dia, ele já tinha sido agredido pelo professor. Os meses seguintes trouxeram puxões de orelha ou tapas por romper o silêncio nas salas de aula, corredores ou refeitórios. Cantar a nota errada era motivo para golpes com a batuta do maestro. Mas foi a noite em que foi apanhado jogado bolinha de gude no quarto que o deixou em depressão por anos e o fez perder a voz. Enquanto era espancado com uma vareta, o padre, diz Kaiser, se aproveitou dele.

— Naquele momento, você começa a viver em outro mundo. Você não quer acreditar.

Este mês, Kaiser, agora aos 58 anos, será uma das seis vítimas do Regensburg Domspatzen — literalmente os Pardais da Catedral — que finalmente terão uma chance de contar suas histórias a representantes da Igreja Católica e do coro, dirigido entre 1964 e 1994 por monsenhor Georg Ratzinger, o irmão do Papa Bento XVI.

Kaiser e representantes de outras vítimas são parte de uma comissão de 12 membros formada para investigar as histórias de abusos. É parte do que críticos consideram uma tentativa já muito atrasada da Igreja de chegar a termos com um escândalo que, por causa de sua associação com o irmão do antigo Papa, tornou-se um dos mais problemáticos a atingir o Vaticano na última década.

A comissão, que teve o primeiro encontro semana passada, segue-se à divulgação de um relatório em janeiro que indicou ao menos 231 casos de abuso físico de 1945 a 2014 no coro, incluindo cerca de uma dúzia de acusações de abusos sexuais.

Desde a publicação do relatório, outras 60 vítimas de abuso físico se apresentaram, diz Ulrich Weber, advogado local designado pela Igreja e pelo coro para levar adiante uma investigação independente. Antes do relatório, só 72 casos de abuso físico e dois incidentes de abuso sexual tinham sido reconhecidos.

Ao apresentar o documento, fruto de oito meses de entrevistas e pesquisas nos arquivos da Igreja, Weber diz que teve de “pressupor” que o monsenhor Ratzinger, hoje com 92 anos, estava a par dos abusos físicos e sexuais que ocorriam no coro. O clérigo já se desculpou antes por esbofetear os meninos, embora ressaltasse que isso era uma forma aceitável de disciplina. Ele afirma que “não tinha ciência de que abusos sexuais eram cometidos naquele tempo”.

Sem processo para maioria

Depois do relatório, no entanto, Ratzinger classificou a mais recente tentativa de investigar as alegações de “insanidade”.

— É simplesmente insano tentar examinar quantas bofetadas foram dadas mais de 40 anos atrás em nossa instituição, como faziam também em outras.

A diocese de Ratisbona prontamente emitiu um comunicado no nome dele, tachando de “correto esclarecer sem reservas as alegações”.

O número de inscrições para as escolas e o coro diminuiu desde que o escândalo veio à tona em 2010, embora programas tenham sido instituídos para prevenir abusos. Muitos dos problemas, dizem os críticos, advêm do fracasso da Igreja em lidar a fundo com a questão até agora.

Como a maioria dos casos é de mais de 30 anos atrás, não podem mais ser levados à Justiça. Mas o relatório citou três alegações de abusos entre o fim dos anos 1990 e o início dos 2000 que estão sendo investigadas.

— Sempre me disseram que eu não tinha sofrido abuso, que o que fizeram comigo foi minha culpa porque eu violara regras. Nunca reconheceram como nos demonizaram e destruíram nossas vidas — diz Kaiser.

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