quarta-feira, 1 de junho de 2016

Estado sabia que vítima de estupro coletivo corria risco há 3 anos

Nenhuma medida do estado conseguiu proteger a adolescente
X. é vítima. De um estupro coletivo. Do linchamento público. E, desde o dia 31 de julho de 2013, de um sistema que não consegue preservar uma geração de jovens cariocas de uma adolescência marcada pela violência. Um coquetel em que se misturam a situação de vulnerabilidade social, o avanço no uso de drogas em áreas dominadas pelo tráfico e a falta de estrutura do estado para cuidar de uma legião de adolescentes.

Em julho de 2013, um relato enviado ao Disque Denúncia já conta a história de X. Não estudava. Não conseguia cuidar do filho, recém-nascido. Agredia fisicamente o pai. E verbalmente a mãe. Em “bailes se relacionava com homens desconhecidos, se expondo a riscos”. Tinha apenas 13 anos. No dia 5 de agosto de 2014, chegou ao projeto Casa Viva, uma instituição criada para cuidar de jovens usuários de drogas. Foge. Fora apreendida após um pedido judicial de busca e apreensão. Atitudes formais e legais foram tomadas. Mas, na prática, nada disso resolveu o problema de X., o mesmo de milhares de jovens.
Casa onde aconteceu o crime era chamada de abatedouro

Ela vem de um ambiente familiar muito adoecido. E desde cedo, sozinha, criou as estratégias dela para sobreviver. Quem pode julgar o que está certo ou errado? É uma infância violenta, apesar de estar em seio familiar e ser criada em um bairro de classe média (Jacarepaguá) — explica uma das funcionárias que atenderam X.. — Nós vivemos uma sociedade machista. Ela é vítima e está sendo julgada. Que homens são esses que a gente também está formando? Como são capazes dessa barbárie. E as pessoas assistem ao vídeo e não se dão conta da perversidade? Eles não tinham esse direito.

Durante anos, passo a passo, X. foi soltando os laços com família e escola, apesar da luta da avó materna. E submergiu num mundo paralelo. Em 2014, vivia no Morro da Serrinha, com um “marido”. Ostentava roupas de grife e celulares de última geração. Bonita, bem articulada, ela se recusava ao tratamento em uma casa de acolhida.

— Foram apenas dois dias com ela, mas muito marcantes. Fazíamos um trabalho de convencimento, persuasão. Ela estava muito violenta. Agrediu o pai, pegou o bebê de qualquer jeito, ele acabou ficando vulnerável. Queria fugir, depois aceitou. Mas no dia seguinte, viu televisão, jantou, tudo como a rotina, mas depois não estava mais lá — conta uma funcionária:

— A gente sente muita dor de imaginar o que aconteceu.

Vídeo

O caso da menor estuprada veio à tona após um vídeo em que a adolescente aparece nua e desacordada ser publicado nas redes sociais.

Estupro

Nas imagens, é possível ver dois homens manuseando o corpo da menor. Há também selfies feitas por suspeitos com a adolescente nua.
Advogada

Inicialmente, a jovem teve assistência jurídica da advogada Eloisa Samy Santiago. Ela deixou o caso a pedido da família da adolescente, quando a menor passou a integrar um programa federal de proteção a pessoas ameaçadas de morte.

Afastado

Após acusação da defesa da jovem de que o delegado Alessandro Thiers insinuou que a culpa pelo crime era da vítima, a Polícia Civil afastou-o da coordenação das investigações.

Convicção

A delegada Cristina Bento assumiu as investigações, disse estar convicta de que houve estupro e pediu a prisão de seis suspeitos.

A internação compulsória de um menor de idade para tratamento só pode ser realizado mediante decisão judicial. Especialistas apontam que o artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) abre essa possibilidade. O texto diz que “as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei (o ECA) forem ameaçados ou violados em razão de sua conduta”. A interpretação é de que, por isso, a família pode pedir a internação baseada em um lado psicossocial atestando a necessidade do tratamento.

Esse pedido pode ser feito no Plantão Judiciário (Av. Erasmo Braga 115, Centro) ou através de advogados particulares ou da Defensoria Pública (Avenida Marechal Câmara 314, Centro), que levará o caso ao Juizado da Infância e da Juventude.

O Conselho Tutelar não tem poder para determinar essa internação por uma decisão administrativa — já que a internação pressupõe a privação de liberdade do adolescente.

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