A recém-lançada série de TV "Chernobyl", sobre um dos piores acidentes nucleares no mundo, na usina de mesmo nome, na Ucrânia Soviética, em 1986, fez telespectadores brasileiros questionarem como é a produção de energia nuclear no Brasil, na Central Nuclear em Angra dos Reis (RJ).
"Terminei Chernobyl e estou tentando não surtar por morar perto das usinas de Angra dos Reis", escreveu uma pessoa no Twitter. "Assisti Chernobyl ontem, mas algo agora me assola: quais reatores são usados nas usinas de Angra 1 e 2?", disse outra. "Depois de ver Chernobyl, só consigo pensar que nós temos Angra."
"O tema nuclear inspira um profundo medo na sociedade, o que amplifica muito a percepção dos reais riscos", pondera Leonam dos Santos Guimarães, presidente da Eletronuclear, responsável pelas usinas nucleares do Brasil e subsidiária da Eletrobras, controlada pelo governo federal.
"Isso ocorre porque (a tecnologia nuclear) teve o pior marketing da história. Foi apresentada à humanidade através do holocausto de Hiroshima e Nagasaki (cidades japonesas onde os Estados Unidos lançaram bombas atômicas, em 1945). Logo a seguir veio a Guerra Fria, com ameaça de destruição em larga escala com bombas nucleares", diz Guimarães.
Como, então, é a produção de energia nuclear no Brasil? Por que as usinas estão localizadas em Angra dos Reis, área turística com floresta e mar exuberantes entre São Paulo e Rio de Janeiro, as cidades mais populosas do Brasil? E quais são as medidas de segurança tomadas para evitar um acidente nuclear?
Chance de acidente é muito baixa, mas impactos seriam graves
O Brasil tem apenas duas usinas nucleares, Angra 1 e Angra 2, responsáveis pela produção de 3% da energia consumida no país - para comparação, a usina hidrelétrica de Itaipu gera 15%.
Angra 1 entrou em operação comercial em 1985 e, Angra 2, em 2001. A construção de uma terceira usina, Angra 3, foi iniciada há 35 anos, tem 62% das obras executadas, mas atualmente o canteiro encontra-se paralisado.
A instalação das usinas em Angra levou em conta justamente a proximidade tanto do Rio como de São Paulo. Dessa forma, é mais fácil transmitir a energia produzida para os grandes centros de consumo. Além disso, estar perto do mar é importante, já que é preciso muita água para resfriar o sistema — vale dizer que essa água não entra em contato com a radioatividade.
Earth Vista aérea das usinas de Angra 1 e Angra 2, envoltas pelo mar e floresta de Angra dos Reis.
Em uma usina nuclear, a energia é gerada pelo processo de fissão nuclear do urânio - ou seja, a quebra dos átomos — que ocorre dentro de uma estrutura chamada de reator.
Uma pequena pastilha de urânio enriquecido, com o tamanho de uma bala, é capaz de produzir a mesma eletricidade que 22 caminhões tanques de óleo diesel. "O combustível nuclear é o mais denso que o homem pode utilizar, ou seja, uma pequena quantidade produz muita energia", explica Guimarães.
O combustível usado no reator é formado por centenas dessas pastilhas. É um material radioativo, que se torna ainda mais radioativo com o processo de fissão.
"Um acidente nuclear é basicamente o vazamento do material radioativo", explica Roberto Schaeffer, professor do Programa de Planejamento Energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "É muito mais provável que outras barragens no Brasil se rompam do que ocorra um acidente em Angra. Ainda assim, me assusta mais um acidente em Angra, devido à possível severidade", opina.
Segundo Guimarães, "a prática da indústria prevê uma probabilidade de acidente severo, com liberação de material radioativo para o ambiente, na ordem de um a cada um milhão de anos".
O físico e mestre em engenharia nuclear Luiz Pinguelli Rosa, professor emérito do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ, reconhece que existem diversos dispositivos para evitar que material radioativo vaze para o meio ambiente. "Mas (essa tecnologia) falhou em Three Mile Island (acidente nuclear nos Estados Unidos, em 1979), em Chernobyl e em Fukushima (acidente nuclear no Japão, em 2011). Desde então houve um avanço, mas não foi definitivo", avalia.
Segundo testemunhas, a série Chernobyl faz um retrato fiel dos efeitos da radiação no corpo humano; na imagem, um membro da equipe de limpeza no telhado da usina soviética Angra 1 e Angra 2 têm reatores diferentes do usado em Chernobyl.
As usinas brasileiras são de um tipo diferente de Chernobyl. O reator usado em Angra 1 e Angra 2 é chamado PWR, onde o processo de fissão é controlado com água pressurizada. É o tipo de reator mais utilizado no mundo.
Já o reator de Chernobyl usava grafite para controlar o processo. Depois de uma explosão de vapor, o grafite incendiou, enviando radioatividade para atmosfera. O fogo demorou oito dias para ser controlado.
"São tecnologias completamente diferentes. O acidente que ocorreu em Chernobyl é impossível de ocorrer em um reator PWR, porque água não pega fogo", explica Pinguelli.
"O que pode ocorrer (no reator PWR) é uma explosão de vapor, que espalhe material radioativo no ambiente", completa o pesquisador. Há uma série de procedimentos de segurança para evitar que uma explosão como essa ocorra. Por isso, é algo "muito pouco provável, mas não quer dizer que seja impossível".
Caso algo ocorra, o sistema conta com barreiras de contenção sucessivas, para que o material radioativo não se espalhe para o ambiente externo. Em usinas como as de Angra, a quantidade dessas barreiras de contenção é superior à que existia em Chernobyl.
Ilustração mostra como é a estrutura de Angra 2: 5-reator, 6-piscina de combustível usado, 7-barreira de contenção de aço, 8-barreira de contenção de concreto, 1,2,3 e 4- turbinas e geradores, 9-sala de controle, 10-administração.
Primeiro, as pastilhas combustíveis têm uma estrutura molecular de barreira, para reter os produtos gerados na fissão, que são radioativos. Essas pastilhas, por sua vez, ficam dentro de um tubo feito de uma liga metálica especial, que também visa bloquear a saída de radiação.
Os tubos são posicionados no interior do vaso reator, feito de três centímetros de aço especial "projetado para resistir ao mais sério acidente", segundo a Eletronuclear.
Em Angra 1, só a tampa do reator pesa cerca de 40 toneladas. Ela teve que ser trocada, porque se descobriu que o material de que era feita era suscetível à corrosão sob tensão. Não havia nenhum sinal de deterioração, mas por medida de segurança, foi substituída.
Por fim, o reator está dentro de uma estrutura com de 70 centímetros de concreto e uma camada de aço.
Outro tipo de acidente possível — embora também seja improvável — é qualquer situação externa que comprometa a estrutura onde fica o reator, comprometendo as barreiras de contenção.
É o caso de uma queda de avião no local. "A região de Angra está em uma das rotas de aviação mais movimentadas do mundo (a ponte aérea Rio-São Paulo). Então, existe o risco de um avião cair ali", diz Schaeffer. Por exemplo, a rota aérea entre o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e o Aeroporto de Galeão, no Rio de Janeiro, passa a cerca de quatro quilômetros de Angra 1 e Angra 2 - segundo os trajetos exibidos no site FlightRadar24.com.
Um terremoto ou maremoto nas proximidades também poderia abalar as estruturas do reator. É o que ocorreu com a usina de Fukushima, o maior acidente nuclear desde Chernobyl. Após um maremoto, foi formado um tsunami, que atingiu a usina, comprometendo sua estrutura e espalhando material radioativo.
O Brasil, porém, não tem histórico de terremotos e maremotos. Mesmo assim, após o acidente de Fukushima, a Eletronuclear fez verificações de segurança em Angra, reavaliando a capacidade da estrutura de lidar com intempéries naturais.
Mapa do Flightradar24. Como mostra rota de avião passando a cerca de quatro quilômetros de Angra 1 e Angra 2
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente aqui